"A frase"


É como um balde de água fria. Em um momento, você é o todo poderoso, o bam-bam-bam, e no outro, não passa de um reles trouxa, um "cão arrependido".

Muitos se esforçam para não ouvi-la, outros, escutam-na - talvez - diariamente e, tal qual um "Joselito", não aprendem. É composta por sete palavras leves (pode ser reduzida para cinco), mas que, em conjunto, ganham um peso gigantesco para aqueles que possuem um mínimo de dignidade, decência e vergonha na cara.

Deve existir algum livro ou estudo de Roberto DaMatta, com sua escrita de alto nível, para abordar todas as raízes antropológicas e significados desta frase, mas eu, como mero escrevedor que sou, vou seguir a linha simples da crônica.

Já consegui te deixar curioso? Há! Era essa a intenção.

Muito bem, vamos a ela:

— Vem cá, você não se enxerga, não?

O que dizer após ouvir isso? Não tem saída. A não ser que você, realmente, esteja com a razão, não tem como se defender sem parecer um completo troglodita ou idiota.

Lembro que, ainda moleque, trabalhava como office boy e tentei furar a fila do banco, com um amigo mais adiantado. Pra quê? Uma senhora, com toda a razão, mandou um "você não se enxerga, não?" para mim, na frente de todo mundo, em alto e bom som. Fiquei com a "cara no chão" e, envergonhado, voltei para o meu lugar correto da fila: o final. Porém, aprendi a minha lição e sou grato a ela. Obrigado, senhora! Formou o meu caráter.

Houve um tempo em que se havia e se exigia respeito.

Já hoje em dia...

Mulheres e homens públicos, bem como, seus "torcedores", perderam todo o pudor e liturgia necessários à construção de grandes estadistas e pessoas honradas. Mentem sem nenhuma cerimônia. Mudam a narrativa ao bel prazer do orador ou da oradora. Falam grosso e, depois que a "merda bate ventilador", passam a falar fino.

Temos visto ministros, deputados, senadores e políticos que não estão à altura dos cargos que ocupam. Generais e outros oficiais que não agem de acordo com as patentes que lhes cabem. Juízes que não seguem o rito conforme à lei. Apresentadores e jornalistas que, para além do viés, não possuem um pingo de moderação em suas análises e comentários.

A cada grosseria de um "apoiador", seja ela postada nas redes sociais ou em atos nas ruas, a cada fala desastrosa de uma suposta oposição, a cada arroubo de alguma autoridade. Plim! A frase pula na minha cabeça.

Estamos carentes de líderes. Como estamos. Está cada vez mais difícil encontrar pessoas em que podemos, de fato, confiar.

Parece até piada, mas acabei de assistir à mini série documental "Doutor Castor" e, pasmem, até o "capo di tutti capi" carioca, outrora, tinha compostura, elegância e diligência diante das câmeras e do seus (não podemos dizer o mesmo fora dos holofotes, é claro), algo muito diferente do que vemos hoje.

Confunde-se inovação com audácia. Chamam de "autêntico" ou "verdadeiro", ideias e comportamentos totalmente inadequados e descabidos. Enfim, discurso de ódio não é "liberdade de expressão".

Uma das poucas verdades desta nossa vida é a seguinte: tudo tem limite. Uma vez que se ultrapasse este limite, merece-se receber um "você não se enxerga, não?". Seja ele em forma de repreensão, banimento, protesto, repúdio, cadeia, cassação, etc. Se houver parte interessada, dentro da legalidade, que haja reação. E que haja justiça.

Mais uma coisa que vale lembrar: bom senso e noção, ainda que pouca, ajudam muito a evitar confusões. E não faz mal a ninguém.

Um abraço.

Ilustração: Paulo Moreira - instagram.com/paulomoreirap

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